
Este livro foge um pouco ao estilo dos demais que tenho recomendado até agora, porque não é sobre história naval, marinharia ou navegação. É antes de mais nada uma autobiografia, como o próprio título diz, de um aventureiro e conspirador alemão a serviço do Komintern – a organização fundada por Lenin para reunir os partidos comunistas de diferentes países. Apenas incidentalmente, o biografado é um marinheiro de mão cheia, daqueles bem típicos, capazes de construir um barquinho dentro de uma garrafa, souvenir que se tornou símbolo nas cidades que gozam da influência do mar. A obra é pontilhada de cenas típicas das lutas de classes que antecederam a Segunda Guerra Mundial: movimentos paredistas violentos, barricadas urbanas, enfrentamento de trabalhadores com forças policiais, confusões entre patrões e empregados nos principais portos europeus, convulsões sociais, em suma. O livro é longo, é uma obra de fôlego, como se diz, mas nunca é monótono. Considero um prato cheio para quem gosta de história moderna, II Guerra Mundial - principalmente seus subterrâneos e bastidores -, espionagem, disseminação do comunismo no mundo a partir de 1917 e coisas do gênero. O autor relata, com conhecimento de causa, a rotina das prisões nazistas e suas técnicas de interrogatório, mas fala também de amor: todo um capítulo dedicado à mulher amada! Quando as coisas ficaram perigosas demais para ele na Europa, refugiou-se nos Estados Unidos, onde virou a casaca definitivamente. Um dos fatos mais bizarros relatados é sua passagem relâmpago por Hollywood, onde atuou como figurante no cinema. Lembro-me que fiquei muito empolgado com a leitura deste livro no alvorecer da década de 70 e que ele se tornou, também, por uns tempos, meu livro de cabeceira. Digo por uns tempos mas certamente até o fim da Guerra Fria, quando, enfim, me desinteressei pelo assunto e deixei de folheá-lo. Admirando ou não o argumento do livro, é inevitável a simpatia que o autor desperta no leitor, que passa a torcer por aquele como se um herói fosse. Movendo-se constantemente por um ambiente tão hostil quanto arriscado, o autor (um 007 prematuro, porém sem licença para matar, mas não menos sedutor, diga-se de passagem) não chega a confessar ter cometido algum homicídio, o que exacerba a simpatia do leitor. Mas, convenhamos; exercendo aquela atividade...
Esta obra está totalmente esgotada, felizmente é muito encontrável em sebos. Quem tiver interesse e acessar a Estante Virtual (http://www.estantevirtual.com.br/) vai encontrar uma grande quantidade de ofertas, que vão de 8 até 88 reais. Na versão original, em língua inglesa, o título é “Out of the Night”. O autor também escreveu romances.
Leia a sinopse da obra nas palavras de um dos seus tradutores, o acadêmico cearense Raimundo Magalhães Júnior: A vida do autor deste livro sempre esteve e evidentemente ainda está em perigo. O aforismo “viver perigosamente” nunca foi cumprido tão à risca. Eu não daria um níquel pela pele desse audacioso aventureiro, que é um desses “homens que sabem demais”, incômodos e indesejáveis. O perigo é, porém, o clima de Jan Valtin. Sem isso ele é um peixe fora d’água. Não há, talvez, problema mais complicado do que o seu problema pessoal. Para começar, ele se escondeu sob um pseudônimo, a fim de publicar este livro, que só não é a mais impressionante autobiografia que apareceu nestes últimos tempos porque é mais do que isso: chega a ser um documento extraordinário das lutas sociais e políticas que abalaram a Europa e que preludiaram a Segunda Guerra Mundial. Mas, mau grado o cauteloso pseudônimo, tendo relacionado em suas memórias fatos e datas ligados à época em que cumpriu pena de prisão na penitenciária americana de San Quentin, um jornal da Califórnia, “The Sacramento Bee”, conferindo os registros dos presos, estabeleceu sua verdadeira identidade: tratava-se do alemão Richard Julius Hermann Krebs. Havia mais: Jan Valtin entrara ilegalmente nos Estados Unidos, da última vez, e fizera confissão plena dessa fraude nas suas memórias. O Departamento de Imigração descobriu-lhe o esconderijo e o autor de ‘O espião que abalou o Terceiro Reich’ foi conduzido, sob escolta, para Ellis Island, onde existe um posto de quarentena, destinado aos estrangeiros que esperam reembarque. Enquanto isso, seu livro se convertia no maior “best-seller”. A ameaça que pesava sobre ele era simplesmente isto: a viagem forçada de regresso à Alemanha, ou valha dizer, a pena de morte, pois seus inimigos não o deixariam com vida. O Departamento de Justiça de Washington teve sua atenção chamada para o caso, não só por publicações diversas, como “Collier’s”, por exemplo, como por leitores deste livro, que o consideraram um grande serviço prestado ao povo americano, como advertência a propósitos e sistemas de infiltração de doutrinas estrangeiras e de propagação, no seio das massas trabalhadoras, de princípios subversivos. Obteve Jan Valtin, em razão disso, a liberdade. Em razão disso e do parecer do procurador geral Jackson, que ponderou, muito simplesmente, que existem nos Estados Unidos, presentemente, pelo menos 8.000 refugiados estrangeiros que também entraram ilegalmente no país e estão em condições de serem sumariamente deportados. O governador Culbert L. Olson o perdoou da pena que o levara à cadeia de St. Quentin e assim pode Jan Valti dar os primeiros passos para a sua naturalização como cidadão norte-americano. Os leitores desta narrativa hão de perguntar até que ponto ela contém a verdade e se nada mais que a verdade. É uma pergunta honesta e lícita. A essa pergunta, respondem os fatos e a própria “Aliance Book Corporation”, de Nova York, que lançou o livro. Um dos fatos é o que já está narrado acima: a descobeerta da identidade de Jan Valtin pelo “The Sacramento Bee”, em feliz e certeira reportagem. Outro, é o testemunho de Frank Lloyd, o diretor cinematográfico da antiga versão de “O gavião do mar” (o de Milton Sills e Enia Bennett), que, encontrando uma citação de que o autor havia trabalhado como “extra” nessa película, deu busca nos seus arquivos e encontrou, neles, em uma cena de conjunto, um alemão indicado, no verso, pelo nome de Krebs, o que confirmara a reportagem do jornal californiano. Outro, o depoimento, em carta, do padre H. A. Reinhold, fundador do Apostolado do Mar, em Hamburgo, e atualmente capelão em Seattle, Estado de Washington, testificando a veracidade dos fatos narrados neste livro. A insistência de Jan Valtin, a respeito de nomes e de datas, não é de quem se cerque de cautelas para não ser apanhado em falso. Ao contrário, ele até mesmo parece fazer gala da sua memória e de dar indicações pelas quais se possa aferir a veracidade do que narra. Não lhe faltam qualidades de escritor, senso de coordenação das reminiscências, pintura de tipos e de cenários. Diz ele, numa espécie de introdução ao livro, publicado em “The Reader’s Digest”, que não o escreveu em um esforço contínuo. Ocorreram muitas interrupções e era coisa extremamente penosa ter de escrever uma simples página depois de um dia inteiro de exaustivo trabalho manual. Não que cometesse erros ou tivesse falhas de memória – havia treinado suas faculdades retentivas em quinze anos de atividade como conspirador profissional – mas é que, então, era empregado de uma casa de cômodos onde fazia a limpeza de trinta quartos e arrumava quarenta e cinco camas... Um dia, teve um colapso e foi hospitalizado, graças à generosidade de um amigo. Diz Jan Valtin que não tem nenhuma aspiração política e que deseja, apenas, trabalhar numa doca. Mas tem ganho tantos milhares de dólares com o seu livro que já está em condições de ser, não um operário, mas um pacato “farmer”, com seis ou sete camaradas para arar e semear suas terras. Depois de tudo isso, patrão! Eis o imprevisto epílogo que o fim deste livro não conta...
Jan Valtin faleceu nos Estados Unidos, em 1º de janeiro de 1951, aos 45 anos de idade.
CADERNO DE LITERATURA
Organizador: Ernesto Fonsêca
Organizador: Ernesto Fonsêca
Editor: Almir Júnior
11ª Edição, 14 de outubro de 2009