
O que é um diário? Um diário é uma viagem dentro de nós mesmos. Registrar fatos de nossas vidas, de forma ordenada, literária, é reviver a cada instante o que vamos passando, com um adicional: o registro do que sentimos. Diários trazem sentimentos, e os tememos por isso. Eles nos mostram o que somos, na crueza da maior sinceridade, que é a opinião de nós sobre nós mesmos. Invencível esse medo, ou o medo de começar sem saber como, melhor a mão estendida de quem já fez o mesmo caminho. De preferência um gênio, como Saramago. Embarquemos, pois, com o escritor português numa viagem de três anos pela sua vida: dos fatos prosaicos de seu dia a dia na recôndida ilha de Lanzarote, passando por suas viagens por um mundo de lançamentos literários, entrevistas e conferências, para chegar às reflexões mais profundas e apaixonantes sobre os mistérios e paradoxos da vida. Tudo em notas curtas, num estilo de fazer chorar e arrepiar os amantes da literatura, pela arte de retirar das palavras e da vida suas melhores combinações. E como tempero um inconformismo, um mal estar com esse mundo de injustiças e atrocidades; e vontade sempre presente de mudança, e mais do que isso, a obrigação desta mudança. Obrigação que surge a partir da consciência, e segue com a denúncia. Ao final da leitura - da viagem - cada leitor se torna um companheiro. Sentimo-nos cúmplices do autor em todas as suas sensações e indignações, na melhor lição de que literatura é a mais real e sutil das artes. E de companheiros perdemos o medo do nosso próprio diário. Medo da vida, afinal, sempre um medo presente ou latente, e embarcamos dentro de nós mesmos, numa viagem em busca da consciência e da mudança que é o sentido de tudo, mesmo quando não há mais nada. E Saramago nos faz lembrar que nunca não há mais nada.
Companhia de Letras – 664 páginas
CADERNO DE LITERATURA
Organizador: Ernesto Fonsêca
Editor: Almir Júnior
11ª Edição, 14 de outubro de 2009
Editor: Almir Júnior
11ª Edição, 14 de outubro de 2009