Por Ema Dias dos Santos
Conforme afirma Alexandra Gomes, em seu artigo “A Casa dos Espíritos”, Isabel Allende começou a escrever a obra em 1981, como uma espécie de carta de despedida para seu avô, que estava à morte. As referências a fatos e pessoas reais perpassam toda a narrativa: o golpe militar; o assassinato do Presidente Salvador Allende (tio da autora), que no livro aparece como o “Presidente”; o carisma, a obra e a morte do poeta Pablo Neruda, denominado apenas de “O Poeta”; a trajetória do cantor revolucionário Victor Jara, através do personagem Pedro Tercero – o qual, entretanto, terá um destino melhor na ficção do que a tortura e o assassinato que, na verdade, seu inspirador sofreu.
Mas, apesar de tanta e tão dura realidade, o tom fantástico impera. Misticismo, espiritualidade, mitologia e simbologias são aspectos muito presentes, relacionados sobretudo às personagens femininas.
Embora o personagem principal seja o duro patriarca Esteban Trueba, as mulheres têm personalidades fortes e são decisivas para o movimento da narrativa. Esses dois universos estarão em constante conflito. Desde a bisavó de Alba, Nívea Del Valle, que lutava pelo direito ao voto feminino e ao acesso à instrução; passando pela avó Clara que, a despeito do marido, continuou essa luta; pela mãe Blanca que também se preocupou com os excluídos e, além disso, desafiou o pai em nome de seu amor; e pela própria Alba – uma das principais vozes que narra esta história polifônica, e na voz de quem se encerra a narrativa – a qual desenvolveu uma intensa atividade de apoio aos perseguidos pela ditadura, até cair ela própria nas mãos da polícia política. São todas mulheres que, em nome do que acreditavam, enfrentaram, não apenas a força do patriarcado – personificado na figura de Esteban -, mas também o conservadorismo da alta sociedade chilena.
Embora o personagem principal seja o duro patriarca Esteban Trueba, as mulheres têm personalidades fortes e são decisivas para o movimento da narrativa. Esses dois universos estarão em constante conflito. Desde a bisavó de Alba, Nívea Del Valle, que lutava pelo direito ao voto feminino e ao acesso à instrução; passando pela avó Clara que, a despeito do marido, continuou essa luta; pela mãe Blanca que também se preocupou com os excluídos e, além disso, desafiou o pai em nome de seu amor; e pela própria Alba – uma das principais vozes que narra esta história polifônica, e na voz de quem se encerra a narrativa – a qual desenvolveu uma intensa atividade de apoio aos perseguidos pela ditadura, até cair ela própria nas mãos da polícia política. São todas mulheres que, em nome do que acreditavam, enfrentaram, não apenas a força do patriarcado – personificado na figura de Esteban -, mas também o conservadorismo da alta sociedade chilena.
E é através de uma personagem feminina que, talvez, nos venha uma das grandes reflexões provocadas por este livro. É Clara quem nos ensina, com simplicidade e sabedoria, que precisamos aceitar nossos filhos em sua singularidade. A empatia estabelecida entre ela e seus filhos contrasta com a distância que existe deles em relação ao pai, e lhe permite uma relação bem mais próxima e profunda do que poderia ter obtido se tivesse optado por submetê-los à adaptação às expectativas externas. Ela tem a coragem de colocar os sentimentos de seus filhos acima de qualquer programa educativo.
E a obra nos traz outra importante lição, provavelmente a maior de todas, que é a da inutilidade do ódio. Mesmo a truculência de Esteban Trueba vai se modificando, permitindo-lhe relações diferentes com Pedro Tercero, com a neta Alba, com o espírito de Clara, e consigo mesmo. No final, há um trecho muito eloqüente em que Alba registra, magistralmente, essa compreensão:
“Será para mim muito difícil vingar todos os que têm de ser vingados, porque a minha vingança não seria senão outra parte de um rito inexorável. Quero pensar que o meu ofício é a vida e que a minha missão não é prolongar o ódio.” (p.468)
Sobre a obra, veja também os artigos de Alexandra Gomes (http://booklovers.blogs.sapo.pt/987.html) e de Cláudia de Sousa Dias (http://hasempreumlivro.blogspot.com/2008/11/casa-dos-espritos-de-isabel-allende.html).
(La casa de los espiritus, 1982.)