quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

ROMANCE D’A PEDRA DO REINO, de Ariano Suassuna

Por Fernando Gurgel Filho

Carlos Drummond de Andrade disse: "Extraordinário romance-memorial-poema-folhetim que Ariano Suassuna acaba de explodir. Ler esse livro em atmosfera de febre, febril ele mesmo, com a fantasmagoria de suas desaventuras, que trazem a Idade Média para o fundo Brasil do Novecentos, suas rabelesiadas, seu dramatismo envolto em riso. Ah, escrever um assim deve ser uma graça, mas é preciso merecer a graça da escrita, não é qualquer vida que gera obra desse calibre".

Faltou pouco para o Suassuna escrever "o" romance do Brasil. A partir de fatos históricos, como a chacina ocorrida no sertão de Pernambuco em que inocentes foram assassinados para fazer ressuscitar o Rei Dom Sebastião - a própria contradição do fato é tragicômica - Suassuna coroa o Movimento Armorial com um romance de armas, brasões, fidalguias, reis e vassalos, existentes apenas na imaginação doentia de sertanejos fanáticos.

O narrador, que se autodenomina Dom Dinis Quaderna, em estilo que ele mesmo chama de régio-sertanejo, transforma "uns cavalos pequenos, magros e feios, uma porção de gente suja, magra faminta e empoeirada, arrastando ... uma porção de velhos animais de Circo, famélicos e desdentados, numa tropa pobre e amontoada" em uma "Cavalgada fidalga composta de Ciganos, vestidos de gibões medalhados e cravejados, trazendo onças,veados, gaviões e cobras... ...precedida por duas bandeiras, uma com onças e contra-arminhos, outra com coroas e chamas de ouro em campo vermelho."

Essa visão distorcida da realidade revela, tão-somente, a má formação do narrador e as suas visões de um mundo fantástico em que ele almeja implantar uma monarquia sertaneja-negro-tapuia em oposição à elite ibérica-mouro-portuguesa. A caricatura do País é perfeita, onde a elite e a intelectualidade estão representadas por um filósofo de direita que se diz oriundo da melhor estirpe dos coronéis de engenho e outro de esquerda que diz representar a alma sertaneja e mestiça do índio e do escravo. Os dois vivem às custas do narrador que, em tudo, parece representar o Povo. E se servem dele até para firmar suas idéias caricatas de um País tragicômico.
É um livro que merece ser lido e relido, atentando para os tangenciamentos com a realidade dos sertões e para os fatos históricos narrados - na forma distorcida pelo narrador, claro.

CADERNO DE LITERATURA

Organizador: Ernesto Fonsêca
Editor: Almir Júnior
13ª Edição, 1º de dezembro de 2009