Eu sou fã de Chico Buarque, porém um fã preguiçoso, nunca tinha lido nenhum livro adulto dele -- quando criança havia lido O Chapeuzinho Amarelo. Um dia folheando o Correio do Povo (jornal daqui de Porto Alegre) vi uma crítica ao "Leite Derramado", na verdade, um completo deboche, na qual o livro foi alcunhado de "Leite Requentado" diminuindo-o para um plágio de Dom Casmurro de Machado de Assis.
Corri para a livraria, tanta crítica negativa só podia ser inveja, e por sorte, eu estava certo, o livro é muito bom, muito gostoso de ler. O mais interessante é que a leitura é agradável mesmo sem a gente entender a cronologia, o que é verdade, o que é fantasia, o que é descarada mentira do narrador.
Trata-se das memórias de um ancião e uma memória volátil, os eventos se alteram, os personagens mudam sua personalidade de forma coerente se considerarmos que o narrador possui visão apaixonada dos eventos que passaram por sua vida.
A melhor palavra para o livro é estilo, Chico tem estilo, ele consegue prender nossa atenção com um personagem que não traz simpatias e que durante toda sua vida nada fez de extraordinário.
Sem desmerecer o Zorro, é muito mais fácil escrever sobre um herói ou um vilão do que sobre alguém que nunca fez nada, e o autor consegue desenvolver com elegância as memórias de alguém que passou pela vida sem deixar marcas.
E como fala na orelha do livro, apesar do narrador ser o personagem, o leitor consegue ler nas entrelinhas, partilhando a ironia do autor, verdades que o próprio narrador não consegue enfrentar.
CADERNO DE LITERATURA
Organizador: Ernesto Fonsêca
Editor: Almir Júnior
1ª Edição - 05/08/2009